O projeto O ator em solidão tem três motivações principais. A primeira é criar um espetáculo que possa se aproximar de uma problemática que me interessa de maneira pessoal: a falsa moral de uma sociedade que "aceita" a homossexualidade sempre que ela não seja desvelada. A segunda é experimentar a possibilidade de me liberar das formas já aprendidas de fazer teatro. A última é criar uma peça teatral da minha autoria sem ter que renunciar ao meu ofício de ator. Esses três pontos de partida encontraram eco em três figuras que considero verdadeiras descobertas estéticas: André Gide, Gaston Bachelard e Denise Stoklos.
Gide me deu a inspiração a partir da história de Miguel, um jovem que, depois da morte da sua esposa, decide reunir seus amigos para contar uma intimidade antes oculta. Isto acontece no romance O inmoralista. Também, deu para mim um interesante tratado sobre a homossexualidade (Corydon) e um belo relato erótico (O pombo torcaz) publicado post mortem pela sua filha. Mas, o maior presente de Gide foi o grande estímulo que pode se ler nesta frase da introdução do romance citado:
"Na verdade, em arte não existem problemas dos quais a obra de arte não seja suficiente solução".
O segundo autor, Bachelard, foi aquele que me confirmou que a solidão era o caminho certo para minha busca por uma nova forma de criar. A solidão, exaltada de inúmeras maneiras nos seus textos sobre a imaginação, é aquele espaço onde o sonhador encontra o terreno apto para a criação.
A última, a atriz brasileira Denise Stoklos, oferece-me o último impulso. Por que não ser autor de minha própria obra? Por que não posso criar, encenar, interpretar e coreografar meu próprio teatro? Seu teatro essencial me dá essa força.
E vocês, meus leitores? O que acham de tudo isso? Tenho leitores já? A solidão é uma metodologia de criação teatral neste experimento, não um desejo de isolamento. Estão abertas as portas para suas opiniões, recomendações, dúvidas...
O
projeto O ator em solidão nasceu da
minha experiência em 2010, quando fiz meu primeiro monólogo. No início, a ideia
de fazer uma peça teatral na qual um só ator estava em cena era uma
possibilidade longínqua e correspondia a uma fascinação pelo trabalho de outros
atores. Também, era uma parte do que tem relação com um trabalho da dramaturgia
que eu conhecia mais profundamente através de meus estudos de literatura. Por
isso, quando eu decidi fazer La navidad
de Harry (2010), de Steven Berkoff, tive a necessidade de pensar de novo
sobre o que o ator faz no palco. Todos os espetáculos que tinha feito até esse
momento eram muito diferentes do que fiz no processo de encenação da peça de
Berkoff porque eu sempre trabalhei sob o pressuposto do trabalho coletivo como
elemento fundamental do teatro.
A
experiência teatral que eu tinha até 2010 foi o resultado de um trabalho com
diferentes grupos de teatro. O principal foi Íntimo Teatro. Este foi o primeiro grupo em que tive um trabalho
profissional de vários anos como ator. Seu diretor artístico, Carlos Bolívar,
foi meu professor na Escola de Teatro da Universidad
de Antioquia. Ele ensina e trabalha em cena principalmente com a técnica
das ações transformadoras de
Jorge Eines, a qual define o trabalho do ator a partir da interpretação do
texto dramático e considera a ação física como um elemento transformador da
cena. Posso dizer que Íntimo Teatro
foi, depois da universidade, minha maior escola de formação. As peças que
trabalhamos nesse grupo foram de diferentes gêneros e estavam baseadas no
trabalho dos atores como elemento principal da cena. Uma das últimas peças que
eu fiz com Íntimo Teatro, Palabras encadenadas, de Jordi Galcerán,
onde a ação é desenvolvida o tempo inteiro com uma atriz que sempre me
acompanhou em cena, ensinou-me, por exemplo, sobre a transformação de minha
função como ator a partir do trabalho do outro.
Palabras encadenadas, de Jordi Galcerán. Direção: Carlos Bolívar.
Atores: Gloria Montoya e Juan David González.
Tudo
isso aconteceu em Medellín, cidade onde nasci. No entanto, já há alguns anos
que morava em Bogotá. Nesta cidade, fiz algumas coisas com outros grupos de
teatro, mas não consegui fazer o tipo de teatro que eu queria. Por isso, no ano
de 2009, comecei a procurar atores para aprofundar no meu próprio projeto. A
empresa não deu certo e fiquei sem conseguir iniciar nenhum projeto teatral por
vários meses. Sem a possibilidade de conseguir uma equipe de trabalho coletivo,
a solução que encontrei foi a encenação do monólogo La navidad de Harry.
La navidad de Harry, de Steven Berkoff. Direção: Carlos Bolívar.
Ator: Juan David González Betancur.
Quando
comecei com esta montagem, soube que a experiência ia ser difícil. Estava
sozinho em cena. Ninguém estava no palco para me “transformar” e eu não tinha
ninguém naquele cenário para “transformar”. Onde ficou tudo aquilo que eu
aprendi? Na solidão apareceram mais dúvidas do que certezas e, naquele momento,
pensei sobre a solidão do ator, desejei fazer disso uma pesquisa mais longa e
criativa e descobri uma questão estética verdadeira que eu gostaria de
desenvolver. Essa questão pode se definir como um sistema de trabalho artístico
em que o ator realiza um exercício de criação autónoma, sem ter que passar pela
intervenção de uma voz externa (seja de um diretor ou de um dramaturgo) e que
transforma seu papel de intérprete. Acostumado como estava a trabalhar numa
técnica que relaciona o trabalho do ator com a tarefa de representar as
intenções do autor do texto teatral através da guia do diretor cênico, a
solidão que experimentei fazendo a peça de Berkoff me convidou a me liberar ainda
mais.
Depois
disso, pensei que a solidão não seria daqui para frente uma solução, mas uma
nova maneira de entender meu trabalho artístico. Pensei em um ator
contemporâneo que pode prescindir dos outros papéis tradicionais das artes
cênicas e ter a autonomia de outros artistas. Um ator que não depende de um
diretor nem de um texto dramatúrgico anterior para fazer seu trabalho em cena.
Por
isso, minha pesquisa vai partir da consolidação de um projeto de criação que eu
já tinha pensado há algum tempo, exercício que se conecta diretamente com
temáticas que eu gostaria de apresentar e que não foram tratadas por nenhum
dramaturgo conhecido por mim nem da maneira que eu gostaria. Trata-se da
montagem de uma peça teatral inspirada na obra literária de André Gide, especialmente
nos textos O imoralista (1972), O pombo torcaz (2009) e Corydon (1969). A obra de Gide aprofunda
a questão da homossexualidade desde vários olhares que coincidem com minhas
próprias visões, assunto que há muito tempo desejo levar ao palco.
O
leitor deste blog encontrará todas aquelas perguntas que possibilitaram
a encenação do meu primeiro monólogo e o início de uma pesquisa que estou desenvolvendo nos meus estudos de doutorado, a qual combina a reflexão teórica
com o exercício artístico para procurar uma maneira de mudar a ideia mais
tradicional que se tem do ator como intérprete e pensar o ator como autor.
Aquilo que começou como uma solução para uma situação de solidão real se
converteu em uma questão estética sobre os alcances criativos do ator.