domingo, 20 de janeiro de 2013

Três pontos de partida


O projeto O ator em solidão tem três motivações principais. A primeira é criar um espetáculo que possa se aproximar de uma problemática que me interessa de maneira pessoal: a falsa moral de uma sociedade que "aceita" a homossexualidade sempre que ela não seja desvelada. A segunda é experimentar a possibilidade de me liberar das formas já aprendidas de fazer teatro. A última é criar uma peça teatral da minha autoria sem ter que renunciar ao meu ofício de ator. Esses três pontos de partida encontraram eco em três figuras que considero verdadeiras descobertas estéticas: André Gide, Gaston Bachelard e Denise Stoklos.
Gide me deu a inspiração a partir da história de Miguel, um jovem que, depois da morte da sua esposa, decide reunir seus amigos para contar uma intimidade antes oculta. Isto acontece no romance O inmoralista. Também, deu para mim um interesante tratado sobre a homossexualidade (Corydon) e um belo relato erótico (O pombo torcaz) publicado post mortem pela sua filha. Mas, o maior presente de Gide foi o grande estímulo que pode se ler nesta frase da introdução do romance citado: "Na verdade, em arte não existem problemas dos quais a obra de arte não seja suficiente solução".
O segundo autor, Bachelard, foi aquele que me confirmou que a solidão era o caminho certo para minha busca por uma nova forma de criar. A solidão, exaltada de inúmeras maneiras nos seus textos sobre a imaginação, é aquele espaço onde o sonhador encontra o terreno apto para a criação.
A última, a atriz brasileira Denise Stoklos, oferece-me o último impulso. Por que não ser autor de minha própria obra? Por que não posso criar, encenar, interpretar e coreografar meu próprio teatro? Seu teatro essencial me dá essa força.
E vocês, meus leitores? O que acham de tudo isso? Tenho leitores já? A solidão é uma metodologia de criação teatral neste experimento, não um desejo de isolamento. Estão abertas as portas para suas opiniões, recomendações, dúvidas...


domingo, 13 de janeiro de 2013

Como nasceu o projeto O ator em solidão?





 

O projeto O ator em solidão nasceu da minha experiência em 2010, quando fiz meu primeiro monólogo. No início, a ideia de fazer uma peça teatral na qual um só ator estava em cena era uma possibilidade longínqua e correspondia a uma fascinação pelo trabalho de outros atores. Também, era uma parte do que tem relação com um trabalho da dramaturgia que eu conhecia mais profundamente através de meus estudos de literatura. Por isso, quando eu decidi fazer La navidad de Harry (2010), de Steven Berkoff, tive a necessidade de pensar de novo sobre o que o ator faz no palco. Todos os espetáculos que tinha feito até esse momento eram muito diferentes do que fiz no processo de encenação da peça de Berkoff porque eu sempre trabalhei sob o pressuposto do trabalho coletivo como elemento fundamental do teatro.
A experiência teatral que eu tinha até 2010 foi o resultado de um trabalho com diferentes grupos de teatro. O principal foi Íntimo Teatro. Este foi o primeiro grupo em que tive um trabalho profissional de vários anos como ator. Seu diretor artístico, Carlos Bolívar, foi meu professor na Escola de Teatro da Universidad de Antioquia. Ele ensina e trabalha em cena principalmente com a técnica das ações transformadoras de Jorge Eines, a qual define o trabalho do ator a partir da interpretação do texto dramático e considera a ação física como um elemento transformador da cena. Posso dizer que Íntimo Teatro foi, depois da universidade, minha maior escola de formação. As peças que trabalhamos nesse grupo foram de diferentes gêneros e estavam baseadas no trabalho dos atores como elemento principal da cena. Uma das últimas peças que eu fiz com Íntimo Teatro, Palabras encadenadas, de Jordi Galcerán, onde a ação é desenvolvida o tempo inteiro com uma atriz que sempre me acompanhou em cena, ensinou-me, por exemplo, sobre a transformação de minha função como ator a partir do trabalho do outro.

Palabras encadenadas, de Jordi Galcerán. Direção: Carlos Bolívar.
Atores: Gloria Montoya e Juan David González.

Tudo isso aconteceu em Medellín, cidade onde nasci. No entanto, já há alguns anos que morava em Bogotá. Nesta cidade, fiz algumas coisas com outros grupos de teatro, mas não consegui fazer o tipo de teatro que eu queria. Por isso, no ano de 2009, comecei a procurar atores para aprofundar no meu próprio projeto. A empresa não deu certo e fiquei sem conseguir iniciar nenhum projeto teatral por vários meses. Sem a possibilidade de conseguir uma equipe de trabalho coletivo, a solução que encontrei foi a encenação do monólogo La navidad de Harry.

La navidad de Harry, de Steven Berkoff. Direção: Carlos Bolívar.
Ator: Juan David González Betancur.

Quando comecei com esta montagem, soube que a experiência ia ser difícil. Estava sozinho em cena. Ninguém estava no palco para me “transformar” e eu não tinha ninguém naquele cenário para “transformar”. Onde ficou tudo aquilo que eu aprendi? Na solidão apareceram mais dúvidas do que certezas e, naquele momento, pensei sobre a solidão do ator, desejei fazer disso uma pesquisa mais longa e criativa e descobri uma questão estética verdadeira que eu gostaria de desenvolver. Essa questão pode se definir como um sistema de trabalho artístico em que o ator realiza um exercício de criação autónoma, sem ter que passar pela intervenção de uma voz externa (seja de um diretor ou de um dramaturgo) e que transforma seu papel de intérprete. Acostumado como estava a trabalhar numa técnica que relaciona o trabalho do ator com a tarefa de representar as intenções do autor do texto teatral através da guia do diretor cênico, a solidão que experimentei fazendo a peça de Berkoff me convidou a me liberar ainda mais.
Depois disso, pensei que a solidão não seria daqui para frente uma solução, mas uma nova maneira de entender meu trabalho artístico. Pensei em um ator contemporâneo que pode prescindir dos outros papéis tradicionais das artes cênicas e ter a autonomia de outros artistas. Um ator que não depende de um diretor nem de um texto dramatúrgico anterior para fazer seu trabalho em cena.
Por isso, minha pesquisa vai partir da consolidação de um projeto de criação que eu já tinha pensado há algum tempo, exercício que se conecta diretamente com temáticas que eu gostaria de apresentar e que não foram tratadas por nenhum dramaturgo conhecido por mim nem da maneira que eu gostaria. Trata-se da montagem de uma peça teatral inspirada na obra literária de André Gide, especialmente nos textos O imoralista (1972), O pombo torcaz (2009) e Corydon (1969). A obra de Gide aprofunda a questão da homossexualidade desde vários olhares que coincidem com minhas próprias visões, assunto que há muito tempo desejo levar ao palco.
O leitor deste blog encontrará todas aquelas perguntas que possibilitaram a encenação do meu primeiro monólogo e o início de uma pesquisa que estou desenvolvendo nos meus estudos de doutorado, a qual combina a reflexão teórica com o exercício artístico para procurar uma maneira de mudar a ideia mais tradicional que se tem do ator como intérprete e pensar o ator como autor. Aquilo que começou como uma solução para uma situação de solidão real se converteu em uma questão estética sobre os alcances criativos do ator.