terça-feira, 26 de março de 2013

Primeira apresentação pública

Como prometido, a primeira saída da sala de ensaio do processo de pesquisa O ator em solidão aconteceu. Foi no dia 19 de março de 2013 às 14:00 horas na sala 5 da Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia em Salvador (Brasil). No contexto da  disciplina Processos de encenação, conduzida pela professora doutora Sonia Rangel, tive a oportunidade de ter um primeiro encontro com público. 
Neste ponto da pesquisa, apareceu um princípio criador que pode explicar muito bem a prática que estou desenvolvendo: a multiplicidade. Inicialmente inspirado nas propostas de Ítalo Calvino, entendo este princípio a partir das múltiplas e complexas maneiras de abordar a criação artística. Embora Calvino use o termo para entender os alcances da literatura contemporânea, a questão pode abranger as diferentes expressões artísticas. No meu trabalho, as variadas referências que me inspiram no momento da criação fazem com que a obra cênica seja possível. Minhas experiências, leituras e uma série de obras plásticas e musicais que me comovem são convocadas no momento do ato criativo. Assim, o interesse da prática apresentada na sala 5 foi trazer todos estes elementos de maneira material e não só metafórica.
27 versões pictóricas de São Sebastian – correspondentes a autores de diferentes nacionalidades, épocas e estilos – e três textos chaves – dois de André Gide (extraídos do romance O imoralista e do tratado Corydon) e um de Gaston Bachelard (O direito de sonhar) – foram pendurados num espaço cênico delimitado, visualmente, por uma atmosfera de luz e, sonoramente, por três peças musicais – o Erbarme dich, sein Gott de Johann Sebastian Bach, a Habanera de Georges Bizet e uma versão musical do poema de Federico García Lorca Gacela del amor que no se deja ver, cantado por Carlos Cano –. Todas essas referências contribuírem como pontos de partida para a criação da encenação que ainda não tem título e que, agora, começa a ter uma estrutura particular.
Pensando aquele espaço como encontro com meu eu poético, e depois de ter seu primeiro encontro com o público, entendo que ele me representa como sujeito artista. Finalmente, é a suma de uma série de experiências selecionadas a que faz com que essa prática seja possível. Para os propósitos da minha pesquisa, Ítalo Calvino se constitui como um autor fundamental na medida que reconhece esses procedimentos como legítimos. Um exemplo claro disto pode se perceber quando expõe as seguintes questões para responder ao reclamo de que a multiplicidade poderia afastar a obra do seu autor: “[...] quem somos nós, quem é cada um de nós senão uma combinatória de experiências, de informações, de leituras, de imaginações? Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis”.
A continuação, uma primeira imagem da experiência. Espero que os leitores deste blog comecem a ter uma ideia do que será isto cenicamente. Agradeço à professora Rangel, ao  professor doutor Luiz Marfuz (meu orientador), a Germán Guevara (meu companheiro de vida), a Júnior Lópes (meu amigo) e a P. H. Dias (meu colega) por sua colaboração e comentários.

segunda-feira, 4 de março de 2013

Elogio da solidão

Venho do país da criação coletiva. Na Colômbia, a história do teatro está profundamente ligada à necessidade de se agrupar. E esse fato é absolutamente político. Nosso teatro apareceu com força no contexto universitário, sindical e obreiro. Pensar no teatro colombiano é pensar em grupo. É essa minha herança, minha orgulhosa herança.
No entanto, meu percurso me levou por outro caminho. E acho que essa eleição também constitui um ato de transcendência política. Decidir trabalhar em solidão quando se pertence ao mundo do teatro parece um contrassenso. "Como? Sozinho? Sozinho mesmo? Por quê?". Essas são perguntas que constantemente me são feitas.
Poucos críticos questionaram os exercícios criativos de escritores que decidiram trabalhar na construção coletiva de um romance. De fato, foram elogiados pela contemporaneidade da proposta colaborativa. Ninguém questiona a necessidade de associação quando se parte de uma situação de solidão, mas quase todo mundo o faz quando se trata do processo contrário.
Hoje, eu estou aqui. Sozinho na tarefa de criação. Procurando um estado que é realmente difícil e inalcançável como um absoluto. Mas tentando um encontro com meu eu artista -que pouco espaço teve no meu passado-, ocupado como estava da labor de interpretar os interesses de outros. A coletividade não estava me permitindo encontrar esse espaço. Acredito que, como assinala Gaston Bachelard, "A solidão é necessária para nos desvincular dos ritmos ocasionais". Além disso, o filósofo francês diz que "Ao nos colocar diante de nós mesmos, a solidão nos leva a falar conosco, a viver assim uma meditação ondulante que repercute por todas partes suas próprias contradições e que procura incessantemente uma síntese dialética íntima". Eu espero que a encenação que está se formando nesta pesquisa alcance esse estado de síntese dialética. 
Sim, venho do país da criação coletiva. Minha pesquisa não se separa de jeito nenhum da minha tradição teatral. De fato, ela é quem me permite esta licença. Com esta solidão, estou fazendo uso do meu direito ao no man's land, àquela segunda existência que Jean François-Lyotard considera fundamental para se encontrar consigo mesmo e que pode ser entendida como aquele direito a permanecer separado, a não ter que responder aos outros. Já chegará o momento do encontro com o público. Daqui a pouco terão notícias disso.