domingo, 28 de abril de 2013

O monstro sagrado

Os variados debates que aparecem quando compartilho os objetivos da minha pesquisa com outros atores ou diretores de teatro deixam no ar uma atmosfera cheia de escuras nuanças... Sempre achei isso o melhor daqueles diálogos. No entanto, uma dessas nuanças que aparece constantemente continua me incomodando: a impressão da autossuficiência e de uma alta dose de egolatria. É como se aquela busca pela singularidade dentro de uma arte tradicionalmente coletiva fosse um pecado ou uma espécie de transgressão contra o mais sagrado do teatro.
Pensando minha aproximação como um sacrilégio, lembrei daqueles atores do final do século XIX e começos do XX, cujos egos lhes deram grande recordação. Alguns chamam eles de vedetes -acho que a palavra só tem feminino (algum leitor pode me tirar esta dúvida?)-, mas eu gosto mais da expressão "monstros sagrados" para nomeá-los. Sim, falo de Sarah Bernhardt (1844-1923), Henry Irving (1838-1905) e Eleonora Duse (1858-1924), entre outros.
Jean-Jacques Roubine diz que a arte destes atores se baseava indiscutivelmente no narcisismo, mas que isso não impede reconhecer a grandeza e a beleza do seu trabalho. Observados como fenômenos, estes monstros serão lembrados como grandes singularidades, são referência obrigatória na história do teatro e alvo de grandes ficções.
Não quero ser um novo monstro sagrado. Para sê-lo, precisaria de um talento excepcional e de mudar o foco da minha pesquisa em direção de um tema que considero anacrônico. Tenho certeza que muitos dos atores que trabalham na minha linha também não têm esse desejo. Não há em mim um instinto exibicionista maior do de qualquer ator. Mas há um grande desejo de potencializar as possibilidades de um exercício criativo que aproveite minha singularidade... Isso faz de mim um monstro? Ou, por acaso, um fenômeno? Infelizmente, não um prodígio, a outra acepção da palavra monstro. Qual é sua opinião sobre essas figuras? Espero alguns comentários sobre eles...

2 comentários:

  1. Acho que além do indiscutível talento destas figuras, eles viveram numa época em que não havia outras possibilidades de se obter êxito na carreira se não fosse se baseando nas qualidades pessoais. Parece que a reflexão sobre a prática, a descoberta de outros caminhos, outras 'técnicas' de criação, de pesquisa e 'laboratório' só vão surgir um pouco depois. Mas creio também que estas conquistas do teatro moderno só foram possíveis graças à existência dos monstros sagrados, que possibilitaram a ruptura e o advento do novo.

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    1. Concordo com você, Eduardo. Não tinha pensado o sucesso destas figuras como produto de uma época que valorizava o espetáculo teatral só a partir das qualidades pessoais dos artistas. Pergunto-me, então, quais serão nossos critérios numa época na qual os virtuosismos em experiências cênicas parecem coisa do passado... Obrigado pelo seu comentário.

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